Psicologia profunda

28/09/2020

Num ponto culminante da vida, em que o botão se abre em flor e do menor surge o maior, um torna-se dois, e a figura maior que sempre fomos, mas permanecia invisível, comparece com a força da revelação.

Carl Gustav Jung

Nossas dores e crise pessoais,

na sociedade na qual vivemos, revelam a necessidade de voltar nossa atenção para o contato com nossa 'vida não vivida', através da vida simbólica da qual nos afastamos devido a uma vida literal e voltada para as demandas da materialidade. Uma vida simbólica é uma vida que busca sentido e que está aberta para o mistério, dialogando com as imagens que a própria vida nos traz, seja através de sintomas, de sonhos, das sincronicidade e das expressões criativas. Essa é a visão da psicologia analítica, fundamentada pelo psiquiatra e analista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), desenvolvida por muitos analistas que lhe sucederam, e voltada para a análise do Ser como "consciente e inconsciente", dimensões que precisam estar integradas para uma vida mais harmoniosa, respeitando o 'vir-a-ser', os movimentos de desenvolvimento e de individuação (diferenciação) de cada Ser em sua jornada.

Sem deixar de lado o 'por quê?', a psicoterapia de abordagem simbólica ou arquetípica volta-se ao 'para quê?', buscando uma síntese que promova crescimento, transformação - um novo olhar que traga o norte para novos passos na vida, ao atravessar questões inconscientes com as quais precisamos dialogar. As imagens simbólicas, que derivam dos arquétipos universais, são elementos importantes na psicoterapia junguiana, por constituírem a linguagem própria do inconsciente, que também é vida e precisa ser integrada, em um profundo diálogo com os infinitos lugares que nossa alma pode acessar, permitindo uma vida mais significativa, e abrindo caminho para novos passos. 

A importância dos símbolos em nosso convívio está em nos ajudar a ter um contato com o que é arquetípico em nossas vidas, e está além das percepções comuns dos sentidos e da mente. O símbolo é o que nos permite conectar o que estava apartado de nossa consciência. Quando uma imagem simbólica nos chama a atenção, na vida desperta ou nos sonhos, temos a oportunidade de tocar um processo precioso em nós - o despertar de uma nova visão de nós mesmos e da vida, dentro do que estamos experienciando no momento. O símbolo é uma chave para abrir novas portas de percepção em nós, pois carrega uma mensagem capaz de transformar a energia psíquica e promover uma tomada de consciência.

Torna-se símbolo todo objeto, forma e imagem que unifica opostos, que reúne dois lados que estavam dispersos - o que vemos e o que não vemos - e passam a se completar reciprocamente, trazendo um significado, uma mensagem significativa, que mobiliza nossa energia psíquica, nos faz caminhar para uma percepção ampliada e novas atitudes. Podemos pensar esses dois lados do símbolo como a consciência e o inconsciente. Na religião e nas artes encontramos símbolos que expressam um tema em termos psicológicos, o que nos faz transcender até um contato com algo misterioso, que não compreendemos mas nos atrai. Na ausência de um caminho religioso (seja ou não através de uma religião), da relação com o transcendente, nos afastamos dos símbolos e imaginamos ser uma "consciência soberana", tentando guardar a vida dentro dos limites estreitos do que é conhecido e controlado - um desequilíbrio é gerado, e adoecemos. Geralmente precisamos de uma vida simbólica e transcendental para maior harmonia em nossas vidas, na medida em que a consciência faz pontes para ir além, em uma vida com movimento, expansão.

Na psicoterapia junguiana, os principais caminhos para estar em relação com o simbólico, e suas mensagens vindas do inconsciente, são os sonhos, as sincronicidades, o corpo e seus sinais, as expressões criativas, a imaginação ativa, e os oráculos.

Os Sonhos

Constituem uma fonte infinita de recursos e tesouros revelados para uma melhor fluidez em nossa vida "acordada", e devo muito aos sonhos em meu próprio processo de análise. Eles são experiências de vida, de nossa vida inconsciente - o oceano de possibilidades abaixo da ponta do iceberg de nossa consciência. Sonhar é necessário ao equilíbrio psíquico, e mesmo quando os sonhos não são recordados, estão de todo modo participando na totalidade da nossa psique, cumprindo seu papel. Essa participação geralmente é no sentido de compensar visões limitadas do ego, contribuindo para um certo "ajuste" de nosso comportamento consciente. Ou seja, os sonhos ajudam a balancear nossas escolhas conscientes, as emoções que nos alcançam, ajudando-nos a direcionar melhor os passos dentro da jornada de vida que estamos trilhando, na medida em que dialogamos com eles. São de fato um indicativo transparente de nosso momento de vida, com suas tensões e potencialidades. Mas vai muito além disso...

Embora sejam referência para o processo analítico, os sonhos não podem ser "interpretados", mas sim ampliados, a partir do significado dos símbolos manifestados e dos afetos e conexões que eles despertam em nós. É o contato com suas mensagens e símbolos que dinamiza a energia psíquica no eixo ego-self, e pode conduzir a percepções mais conscientes, no processo de descoberta de si na jornada de autoconhecimento. De todo modo, haverá sempre o mistério quando falamos em sonhos, e será sempre natural o espaço para as muitas significações possíveis - inclusive situações passadas ou futuras que podem estar sendo representadas, envolvendo ou não a pessoa que sonha. O fato é que estabelecer a ponte com os sonhos é ancorar um caminho saudável para nossa vida consciente, cujas percepções são limitadas. Os sonhos despertam em nós uma direção para onde podemos ir, como verdadeiros oráculos que visitamos todas as noites.


As Sincronicidades

É cada vez mais comum escutar alguém falar em sincronicidade, embora nem toda coincidência seja considerada sincronicidade de fato. Uma sincronicidade é uma coincidência que é significativa para quem vivência, ou seja, acontece carregada de um significado amplo, um mistério que chama a atenção e quer ser desvendado, uma mensagem que nos surpreende e não conseguimos deixar de considerar como algo "fora do comum". Deve virar do avesso a razão e não conseguir ser explicada pelo conceito de causalidade (espaço, tempo). Então são aquelas situações quando um acontecimento ou circunstância ganha um significado muito importante e que é difícil conseguir explicar para alguém; fatos aparentemente desconectados, mas que em algum momento formam uma mensagem, um encontro ou desencontro que nos responde algo...

Dois fatores constituem o fenômeno da sincronicidade: 1) uma imagem inconsciente alcança a consciência de maneira direta ou indireta, sob a forma de sonho, associação ou premonição; 2) uma situação objetiva coincide com este conteúdo. Nem o espaço nem o tempo parecem influenciar a sincronicidade, mas o observador pode ser influenciado por um estado emocional que altera o espaço e o tempo; acontece uma mudança na consciência, com o fortalecimento do inconsciente, apoiado pela intuição e sensação, e não pela razão (pensamento).

A sincronicidade terá sempre o propósito de nós tirar do campo da razão para perceber algo de outro lugar, dando espaço para a intuição e suas revelações. Tem sido estudada pelas perspectivas holísticas, teoria da complexidade, e teoria do campo, ajudando-nos a caminhar para outro paradigma no qual ainda engatinhamos, embora tenhamos o precioso portais dos oráculos, que trabalham dentro deste campo de acesso irracional, assim como o tarot. 


O Corpo e as expressões criativas

Assim como nos sonhos e nas sincronicidades, o self encontra ainda como caminho de diálogo os sintomas, entendendo-se, a partir do conceito de psicossomática, que o corpo é uma face da psique e manifesta, portanto, a dinâmica do que se passa em nossa energia psíquica. O corpo é uma face da psique, e manifesta o inconsciente, muitas vezes através da doença, que como símbolo passa a ser vista como caminho - a manifestação de algo que está inconsciente e precisa ser integrado no caminho de desenvolvimento da consciência. 

Quando algo precisa ser reconhecido pela consciência e esta ainda não alcançou a mensagem, os sintomas podem então aparecer. É quando temos o corpo como o próprio lugar da sombra, um aspecto inconsciente nosso que precisa ser reconhecido, integrado. 

Do mesmo modo, as expressões criativas (desenho, pintura, argila, composições, representações, criações) costumam ser um canal de manifestação daquilo que a nossa consciência ainda não assimilou, podendo ser em alguns casos uma ferramenta rica para abrir portas que revelam aspectos nossos inconscientes, que não admitimos ou não supomos funcionar em nós.

Os mitos vivem em nós


Seja por qual caminho for, a terapia junguiana buscará sempre simbolizar o que está sendo vivenciado por quem está em análise, seja uma situação desafiadora, uma doença, um padrão de comportamento ou situação que se repete, ou ainda a ausência de sentido de vida que resulta em crise. O símbolo é sempre tido como um caminho de ampliação e religação com a fonte mais ampla à qual estamos conectados, e que nos move para nosso melhor lugar na vida. 

Os enredos e dramas que vivenciamos estão associados a essas fontes - os arquétipos - e a alguma narrativa mitológica, que são estórias da nossa psique, que trazem as imagens necessárias para conseguirmos tocar os arquétipos. Ao compreender que, o que estamos vivendo não é apenas nosso mas também universal, dentro de certo mito e certos símbolos, passamos a pertencer conscientemente a algo maior, e buscar sentido desses caminhos.

Os arquétipos

representam a origem de nossos caminhos de pensamento e ação humanas. São os "vasos" que contem nossas ideias de pai, mãe, Deus, guerreiro, sábio... São as representações de nosso inconsciente coletivo. Eles se mostram nas imagens pessoais que se revelam para nós e em nós, carregados de significado psicológico. São como padrões que sustentam a nossa existência e dão sentido ao nosso Ser, através de imagens carregadas de significado.

Reconhecer as imagens arquetípicas que preenchem nossas vidas aponta para nós os mitos, deuses e enredos que vivem em nós. Sabendo ou não, estamos vivendo histórias arquetípicas. Dialogar com isso revela potenciais de desenvolvimento em nós, uma vez que o panorama arquetípico "pessoal" pode ser reconhecido nas situações e dilemas que nos envolvem, na vida acordada ou nos sonhos; ou ainda no mapeamento da nossa essência simbólica, como revela o mapa astral pessoal, e a dinâmica de como certas narrativas mitológicas são vivenciadas por nós, a partir das marcas dos astros em nossas vidas. Assim, vamos ampliando o significado da nossa vida vivida, atravessando sucessivas transformações da consciência - um verdadeiro processo alquímico.


Alquimia

Nessa jornada de busca por símbolos que trazem sentido ao que estamos vivenciando, caminhamos por uma jornada de transformação da consciência, que Jung elabora como sendo um verdadeiro processo alquímico. A transformação do Chumbo em Ouro representa a nossa jornada de transformação psíquica, em um processo de morte simbólica e renascimento, através de sucessivas "operações" coordenadas por nosso espírito: 

Calcinação (fogo) > através do calor; a febre que queima o que não mais pode permanecer; um afeto intenso que demanda uma catarse (liberar a água, secar). 

Sublimação (ar) > olhar "de cima", perspectiva do espírito, acima da existência terrestre. 

Solução (água moderada) > dissolução, retorno ao útero, renascimento, rejuvenescimento, solução de problemas. 

Putrefação (fermentação) > um desarranjo fecundo, germinação, amadurecimento, confusão de novas percepções, medo. 

Destilação (purificação) > seleção das emoções, escolhas conscientes, separar o que irá ficar. 

Coagulação (terra) > concretizar, união entre espírito e realidade humana, motivação, ação. 

Tintura (ouro) > união dos opostos, feminino e masculino, a ponte, transformação inconsciente. 

É assim o processo analítico quando nos entregamos a uma terapia, em busca de autoconhecimento e transformação. E é assim a própria jornada da vida, uma eterna dança através dos ciclos da alquimia em nós. A vida-morte-vida que vai nos tornando maiores, ampliando a nossa consciência, a caminho de quem somos em essência e da vida que podemos realizar. Esse caminhar para quem realmente somos é realizar o nosso processo de individuação.

Individuação

o caminho de tomar consciência de si mesmo

Carl Jung chama de Individuação o nosso caminho de desenvolvimento, como percorrer uma mandala em conexão com o nosso centro, através da diferenciação dos valores coletivos, em um processo de conscientização que segue até o fim da vida, com múltiplas revelações. E isso passa por olhar e integrar a nossa sombra pessoal, em diálogo com a sombra coletiva - aquilo que ainda não avistamos em nós (seja de caráter destrutivo ou construtivo!). É um trabalho doloroso para o ego, um trabalho de mortes simbólicas e renascimentos. Por isso é representado no arquétipo do herói e sua jornada cheia de obstáculos - as crises.

Mas não tem jeito, a Individuação é o nosso caminho natural, e mesmo doloroso vai revelando um novo jeito de "estar no mundo", a partir de "si mesmo", da nossa jornada única no mundo, fora dos padrões e comparações, tecendo nosso próprio e particular sentido de vida.

Em uma sociedade de massa, midiática, que nos impõe tantos padrões, ser quem somos fica mais desafiador. Adoecidos estamos por isso. Isolados ficamos, paradoxalmente, em uma época em que o acesso aos outros é mais fácil e rápido. E a Individuação, que não significa individualismo, traz justamente a nossa integração social, mas de um outro jeito - não mais vinculados por padrões coletivos inconscientes, e sim a partir da clareza de 'nossa parte' no todo que integramos, e de quem somos em essência e propósito. Por isso aproximar-se de nosso caminho único de vida é, ao mesmo tempo, o caminho mais consciente de participação na transformação coletiva.

Psicologicamente, todo progresso cultural é uma ampliação da consciência, uma conscientização, que não pode dar-se a não ser pela diferenciação. Um progresso começa, portanto, sempre pela individuação, ou seja, por um ser singular, consciente de sua singularidade, que trilha um novo caminho por um terreno em que ninguém ainda pisou. Para tanto, ele necessita, antes de mais nada, refletir sobre suas realidades fundamentais, independentemente de qualquer autoridade e tradição, e conscientizar-se de sua condição diferente. Na medida em que conseguir validar sua consciência ampliada no coletivo - pela tensão entre os opostos - ele dará aquele estímulo que a cultura precisa para seguir progredindo. Carl Gustav Jung (A Energia Psíquica - A dinâmica do inconsciente).


Se te alcança, agende uma sessão e podemos conversar sobre esse caminho e acompanhamento terapêutico. Me alegra receber você!

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Ayalla Freire I Psicoterapeuta Junguiana . Terapeuta Vibracional
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